sexta-feira, 13 de maio de 2011

Efêmera


A saia lápis formava em seu corpo magro uma delicada e perfeita moldura. Pernas cruzadas, numa elegância natural, que ela não herdara de nenhuma educação especial. O café fumegava na mesinha discreta enquanto ela lia e escrevia. Ele moço simples, sem atrativos estéticos, poucos atributos aparentes a ofertar, limitava-se a contemplá-la ao largo, como um passante que, estranhamente, dava vinte voltas toda tarde pela velha rua das livrarias. Fingia buscar nas vitrines algum exemplar raro, especial e, com isso, já se tornara amigo íntimo da maioria dos livreiros.

Mas hoje seria uma tarde diferente.

Parou na praça, de forma discreta, colado a um poste, esperando...
O garçom aproximou-se finalmente da mesinha, despertando a atenção da moça. Um envelope branco foi entregue, ele se afastou. Ela olhou ao redor, procurando a explicação daquilo, talvez adivinhando que o autor estaria por perto. Hesitou por alguns instantes, entre a curiosidade e algum receio indefinido...

A apreensão dele era crescente, quase alucinante.

Enfim ela abriu o lacre vermelho e retirou a pequena carta escrita a mão.

Foi inevitável. Desde o primeiro instante. Tentei fugir de contemplá-la todos os dias, de mergulhar na sensualidade da sua voz. Você me olha todos os dias, fala comigo, mas não sabe. Me apaixonei. O que posso fazer se tenho alma de artista e um artista não vive sem sua musa? Escolhi você.
Não tenho esperança, pois já vi você acompanhada.
Mas posso contemplá-la, me inspirar em você e criar:

Uma luz distante.
Efêmera.
Luz da ribalta sobre meu palco pessoal
Eu personagem desse drama
Instigante dama branca e delicada.

Você luz que me ofusca
Saber e querer
Uma completa busca.
Linda e delicada flor branca
Efêmera
Pairando acima dessa lama toda
Perfeita.

E houve como um silêncio, uma suspensão instantânea do tempo. Ela levantou os olhos brilhantes de lágrimas em busca dele, em busca do autor daquela carta. Quem seria ele? Alguém do seu convívio, certamente... Estaria por ali, em algum lugar? E ele achou que por um milionésimo de segundos seus olhos se encontraram, embora ela não tenha visto. Ela nunca via. Mas assim também estava bom. Quem sabe um dia as coisas podiam mudar...

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