Ela sonhava muitas coisas em dias assim chuvosos e felizes. Lia Rilke:
“Quem se verte como fonte, conhece-o o conhecimento,
que o segue, fascinado, pela serena criação,
na qual o começo é o fim e o fim o começo, amiúde”.
Gostava da sensação de ser embalada ao ler – a chuva batendo de leve na janela e as palavras deslizando pela mente. Ele ali, deitado na cama, o som do seu sono preenchendo de vida a manhã silenciosa do domingo. A cama quente, a luz tépida passando com graça pelo entrelaçado linho da cortina.
Ela parava – pausa calculada – para contemplar os cabelos grisalhos dele, espalhados no travesseiro. Neruda segredou, do livro aberto sobre a cama:
“Nos bosques, perdidos, cortei um ramo escuro
e os lábios, sedentos, levantaram seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
uma companhia vermelha ou um coração cortado”.
era talvez a voz da chuva chorando,
uma companhia vermelha ou um coração cortado”.
E ela ficou pensando quem havia cortado tão belo coração e chorou por ele, baixinho, para não acordá-lo. E o vento elevou o linho, acariciou os cabelos dele e virou as páginas de Neruda:
“Em teu abraço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,
E tudo vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso vê-lo todo:
veio em tua vida todo o vivente.”
sem ir tão longe posso vê-lo todo:
veio em tua vida todo o vivente.”
E os culpados por ela abandonar, por fim, os livros, a razão – servindo eles doravante de lastro ao amor – não foram os deuses, mas a chuva, o vento, o som da vida que ele emanava docemente.
Nada foi preciso dizer, eu te amo já é tudo.
Nada foi preciso dizer, eu te amo já é tudo.
MUITO BOMO TEXTO LUX. ADORO NERUDA.
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