sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Papai Noel: deus pagão ou cristão?


Texto postado em 2008 na Revista Época.

Luís Antônio Giron
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI18668-15220,00.html

Acreditar em Papai Noel ainda é um assunto polêmico, mas já foi mais. Na véspera de Natal de 1951, o bom velhinho foi queimado numa fogueira por fiéis católicos no átrio da Catedral de Dijon, na França. O grupo de linchadores religiosos acreditava que incendiar Papai Noel era um gesto de afirmação religiosa, pois o personagem natalino não passava de um deus pagão e, portanto, anticristão. Segundo o manifesto que os fiéis divulgaram na ocasião, "não se tratou de um espetáculo, e sim de um gesto simbólico. Papai Noel foi sacrificado em holocausto. De fato, a mentira não pode despertar o sentimento religioso na criança e não é, de modo algum, um método educativo – que outros digam e escrevam o que quiserem (...)". Poucas horas depois, na mesma cidade, Papai Noel "ressuscitava": ele apareceu na festa promovida pela prefeitura da cidade para animar as crianças.

O episódio de sacrifício e ressurreição serviu ao etnólogo francês Claude Lévi-Strauss para escrever um ensaio sobre as razões da moda do culto a Papai Noel, um rito transportado dos Estados Unidos para a Europa, e ainda novidade em 1951 na França. O resultado é o livrinho O Suplício de Papai Noel (56 páginas, R$ 25,00, CosacNaify), agora lançado no Brasil com tradução de Denise Bottmann. A ocasião do lançamento é dupla: a proximidade do Natal e o aniversário de cem anos de Lévi-Strauss, completados em 28 de novembro. O livro vem acondicionado em uma meia vermelha, acessório típico de Papai Noel.

O Suplício de Papai Noel oferece uma leitura saborosa e intrigante. É uma forma acessível de o leitor tomar contato com o método de análise de Lévi-Strauss, o fundador do estruturalismo. E uma deixa para discutir um assunto que parece meio ultrapassado: você acredita em Papai Noel? Em caso positivo, você se considera um pagão?

O etnólogo estuda o surgimento de um novo rito, o de Papai Noel, mostrando que não se trata apenas de uma importação cultural, e sim uma manifestação legítima de religiosidade.
Ele divide o ensaio em duas partes. Na primeira, compara Papai Noel com outras crenças correntes. Na segunda parte, percorre a história ocidental para demonstrar que o Natal é uma comemoração adaptada das saturnais romanas – festas que aconteciam entre 17 e 24 de dezembro, que incluíam, entre outras atividades, dar presentes para crianças.

Para Lévi-Strauss, Papai Noel nada mais é do que uma reencarnação de Saturno e dos ritos de aproximação entre vivos e mortos – estes representados pelas crianças. A conclusão do estudioso surpeende: ao sacrificar Papai Noel como se fosse uma heresia, os fiéis de Dijon restabeleceram um rito pagão, o do sacrifício do deus Saturno no final das saturnais. "A Igreja não está errada quando denuncia na crença em Papai Noel o bastião mais sólido e um dos campos mais ativos do paganismo do homem moderno", escreve Lévi-Strauss. "Resta saber se o homem moderno não pode também defender seus direitos de ser pagão." Ele diz que há um longo caminho entre as Saturnais até o bonachão Papai Noel. Durante a jornada, perdeu-se um traço essencial: o sacrifício de Saturno (leia-se Papai Noel), depois de toda sorte de excessos. "Graças ao auto-de-fé de Dijon, eis o herói reconstituído em todas as suas características, e não deixa de ser um dos grandes paradoxos desse curioso episódio que, pretendendo acabar com Papai Noel, os eclesiásticos de Dijon não tenham feito mais do que restaurar, em sua plenitude, após um eclipse de alguns milênios, uma figura ritual cuja perenidade, a pretexto de destruí-la, coube justamente a eles demonstrar". São as viradas da História...

O estudioso acha que Papai Noel está mais vivo do que nunca, pois ele preenche uma função profunda: a necessidade que os adultos têm de acreditar nas crianças. Daí os presentes, e a presença de Papai Noel. No fim das contas, quem acredita mais nele são os adultos.


2 comentários:

  1. gostei! ótimas informações... e pra adicionar um pouco de cultura POP vale lembrar que decadas depois a COCA-COLA pegou esse sujeito, pintou de vermelho e ajudou a criar o ICONE PAPAI NOEL, tem um link nesse post lá do blog-cemitério...

    http://b1brasil.blogspot.com/2010/12/pin-up-natal-6-retrodoll.html

    Tudo de " OM "

    JOPZ

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  2. Muito bom esse texto. Mas eu ainda não acredito em papai nioel.

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